Etarismo: o preconceito que anula a melhor idade

Com a população acima de 65 anos duplicando no DF, a sociedade deve se adaptar à mudança de perspectiva onde idosos são mais ativos e ocupem diferentes espaços. O etarismo, porém, ainda é um mal a ser combatido na sociedade

O tempo de vida da população que vive na capital do país tem aumentado e, com isso, os idosos buscam mais espaço na sociedade em meio à luta contra o preconceito e a discriminação. Entre 2010 e 2022, a quantidade de pessoas com mais de 65 anos que vivem no Distrito Federal aumentou 94%. Especialistas ouvidos pelo Correio destacam que a comunidade em geral precisa passar por um processo de adaptação que valorize a longevidade e elimine o etarismo.

Hoje, há um total de 248.576 idosos morando no DF; em 2010, esse número era de 128.128. Segundo a lei 10.741/2003, também conhecida como Estatuto do Idoso, a discriminação consiste no ato de, em razão da idade, tratar alguém de forma injusta ou desigual, criando empecilhos ou dificuldades de acesso a operações bancárias, meios de transporte ou criar embaraços ao exercício da cidadania. O delito é passível de pena, que vai de seis meses a um ano de reclusão e multa.

Apesar de ser um delito previsto em lei, muitos idosos optam por não denunciar o etarismo pela preferência por não reviver o preconceito sofrido. É o caso da empresária Flávia Pires, 68 anos, que sentiu na pele a discriminação por ser uma pessoa idosa que atua no ramo da tecnologia. Flávia criou um aplicativo dedicado a organizar a logística dos cuidados com idosos e, recentemente, foi selecionada para trabalhar em uma equipe com outros profissionais mais jovens em um projeto onde desenvolveriam juntos uma solução tecnológica para um órgão público.

"Eu me senti massacrada. Desde a primeira reunião, senti olhares preconceituosos. Sempre que tentava falar, não me deixavam. Não permitiram que eu participasse do processo decisório, colocavam defeito em todas as contribuições que eu fazia. Tínhamos a oportunidade de ser contratadas por uma empresa que tinha contrato com um órgão público, mas, no fim das contas, não aceitaram minhas contribuições e me retiraram do projeto. Me senti humilhada", relatou. "Eu tenho uma energia tão grande, tenho tanta coisa para aprender. Minha cabeça hoje está muito melhor, mais afiada. Acho que são necessárias políticas que incluam os idosos em todos os setores da sociedade e que incentivem o convívio de pessoas de todas as idades", sugeriu.

Para a advogada Laísla Mendes, especialista em direito civil, é preciso combater o preconceito em qualquer esfera. "É importante denunciar condutas abusivas, incentivar o respeito e, principalmente, incluir os idosos nas interações sociais, oportunizando o protagonismo dessas pessoas, em vez de colocá-los em isolamento, como se em nada pudessem contribuir ou fossem um estorvo, o que estão muito longe de ser. Pessoas idosas são criativas, dispostas a contribuir e têm muito a oferecer à nossa sociedade", analisou.

Laísla acredita que, além de políticas públicas que incentivem a inclusão e interação dos idosos com a sociedade, é preciso também a implementação de ações para melhorar a qualidade de vida da pessoa idosa. "A mobilidade está cada vez mais prejudicada e isso é pior para quem tem idade avançada", mencionou a advogada.

Vitória Arnold, 57, é estudante de direito e relatou um episódio de etarismo que sofreu quando foi prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2016. "Quando cheguei para fazer a prova, um grupo de jovens me abordou e perguntou se eu não tinha vergonha de fazer o Enem com 50 anos. Eu respondi que não, que para mim é um orgulho", declarou.

Hoje, ela está no nono semestre e constata que, na faculdade onde estudou anteriormente, o preconceito com pessoas mais velhas é maior. Por isso, trocou para uma outra instituição de ensino, onde estudam mais pessoas próximas da idade dela. "Há falta de preparo nas universidades e faculdades para receber pessoas mais velhas. Tenho viajado e observado que as faculdades têm se adaptado para receber pessoas acima de 50, mas percebo que essa realidade ainda não chegou ao DF", disse.

Advogado especializado em direitos das pessoas idosas, Eduardo Felype Moraes aponta que a sociedade precisa estar informada para evitar reproduzir preconceitos. "É preciso combater estereótipos relacionados à idade, como por exemplo a infantilização, piadas, atitudes de exclusão, humilhar e desqualificar", exemplificou. "O conceito do etarismo está bem evidente na legislação, entretanto, para a sociedade, não está. Isso se deve ao preconceito estruturalmente ligado à criação da nossa sociedade. A melhor forma de combater é debatendo seu conceito, impactos na vida das vítimas, sanções e apresentando à população como denunciar", completou.

Empresário na área de Marketing e Consultoria em negócios e cofundador do canal Longidade, Jotta Junior salientou que os longevos trazem ao mercado de trabalho habilidades conhecidas como soft skills. "Empatia, resolução de conflitos e habilidades de comunicação são características cada vez mais buscadas no mercado de trabalho", afirmou. "Para maximizar esses benefícios, é crucial combater o preconceito contra os longevos. Isso pode ser feito com políticas internas que incentivem a contratação e integração de profissionais acima dos 50 anos, visando desmistificar estigmas e tornar o ambiente mais inclusivo", acrescentou.

INCENTIVO

Em setembro deste ano, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal aprovou o PL 4890/2019, que prevê incentivos fiscais com duração de até cinco anos aos empregadores que contratarem colaboradores com idade igual ou superior a 60 anos. De acordo com o texto, se a lei for aprovada, ela permitirá ao empregador descontar da contribuição social devida o valor de um salário mínimo para cada semestre de contrato de trabalho de empregados nesta faixa etária. O projeto segue agora para análise na Câmara dos Deputados.

Fonte: Correio Braziliense