ENTREVISTA EXCLUSIVA: Alexandre Cândido fala sobre carreira, aposentadoria, filosofia antirracista e o 20 de novembro

Em um diálogo sobre trajetória de vida e o significado da luta antirracista, Alexandre de Almeida Cândido, aposentado do Banco do Brasil (BB) e associado da AFABB-SP, compartilha sua jornada, no Banco do Brasil de menor aprendiz a aposentadoria e a sua especialização em Filosofia Africana, pós aposentadoria.

1. Como foi o início da sua carreira no Banco, quais os desafios e os obstáculos que marcaram esse começo?

Alexandre Cândido: A minha história no Banco do Brasil tem dois momentos. Eu ingressei no dia 3 de outubro de 1980 como “menor aprendiz”, um programa interno no Banco que oferecia oportunidades de primeiro emprego e formação profissional para jovens, muitas vezes estudantes de escolas públicas, era um programa inclusivo. Eu tinha 14 anos e tomei posse na agência 7 de abril, no Centro de São Paulo, meu primeiro emprego, lembro que no primeiro dia fui acompanhado pela minha avó. Minha mãe faleceu em 1976 e meu pai tinha os seus compromissos.

Como cidadão civil e a responsabilidade de participar no orçamento e despesas de casa. a juventude acaba mais cedo para algumas crianças assim creio que esse tenha sido o meu primeiro desafio: o meu primeiro emprego. Nossa tudo era novidade, andar de metrô, uniforme, viver e aprender.

Nesta fase acabou, pois, o contrato de trabalho era até completar 17 anos e 10 meses. para continuar não passei por uma pequena fração. Eu saí do Banco em 1984 e fiquei três anos fora. A minha experiência anterior me ajudou a arrumar emprego muito fácil. Trabalhei em diversos lugares até voltar.

 

2. Tem algum momento marcante que você gostaria de compartilhar com a gente? Pode ser uma conquista, uma virada ou até um gesto que te tocou profundamente.

Alexandre Cândido:  A grande virada da minha vida naquele momento, pois foi retornar ao Banco do Brasil. Foram demorados 3 anos passei no concurso e voltei para o Banco no dia 16 de setembro de 1987, na mesma agência. Retornei ao Banco, com 21 anos.  me senti voltando para casa. O BB fez parte da minha formação

 

3. O que o Dia da Consciência Negra representa para você, pessoal e profissionalmente? Como esse dia ressoa na sua história?

Alexandre Cândido: Primeiramente não tenho como separar o pessoal do profissional pois sou, um homem preto que trabalhou no Banco do Brasil durante 35 anos e como disse, o Banco fez parte da minha formação intelectual e cidadã.   Agora em relação ao dia da Consciência Negra no 20 de novembro acho importantíssimo para a sociedade como um todo, ou seja, é uma forma de oportunizar as pessoas a refletirem sobre a diversidade e em especial sobre o racismo e de certa maneira explicita a necessidade do letramento racial, ter compreensão de como funciona o racismo e como combatê-lo, falando um pouco sobre a minha pesquisa, estudo a metafísica do racismo.

Na minha pesquisa sobre o assunto estudo a metafísica do racismo é um conceito que se refere à fundamentação ontológica (estudo do ser) analisando como ele se constitui nas crenças e valores fundamentados na hierarquização da humanidade. O racismo sem dúvida é um fenômeno cultural que penaliza os não-brancos.

Fico assustado quando as pessoas falam de meritocracia, sem analisar as heranças herdadas para o bem e para o mal iguais. A herança do período colonial é normalizada pela sociedade e em especial pela população não negra desta maneira como sugestão, comece a perceber quantas pessoas negras há ao seu redor e se perguntar porque invariavelmente as pessoas negras ocupam a base da pirâmide dos serviços e profissões, principalmente, em serviços domésticos, de limpeza, serviços de alimentação.

Profissionalmente, na minha trajetória no Banco do Brasil me deparei com  poucos pretos na base  e muito poucos pretos  em  cargo de gerência,  este fenômeno sócio cultural podemos chamar de   racismo estrutural, conjunto de práticas, atitudes, falas e políticas que, de forma consciente ou inconsciente, perpetuam a discriminação e o preconceito, uma herança do tempo da escravidão que afeta a população negra desde a abolição da escravidão, onde a população negra não fora inserida na formação da sociedade  da recém proclamada  República Federativa do Brasil, ocorrida em 15 de novembro de 1889.

O Estado brasileiro direcionou a sua formação socioeconômica para imigração de europeus e marginalizando os movimentos negros de resistência e resistência dos povos originários, aqueles sobreviveram ao extermínio.

Em resumo a sociedade brasileira foi estruturada na exclusão dos povos originários e nesta data de 20 de novembro é uma oportunidade para refletirmos sobre o privilégio branco que possui um lugar que atravessa as estruturas da sociedade brasileira, permitindo o acesso e as melhores oportunidades e a manutenção de poder, sem que seja necessário um esforço explícito para tanto

Para terminar devemos ter a consciência, sem trocadilho, que a data de 20/11 foi escolhida para homenagear Zumbi, o último líder do Quilombo dos Palmares, o maior quilombo do Brasil. Zumbi foi morto em 20 de novembro de 1695 após ser capturado e entregue por um companheiro.

Antes a data comemorativa era dia 13 de maio e para o movimento negro esta data não tinha e não tem a representação da história da liberdade dos negros escravizados e não evidência a luta do povo negro e a ausência de apoio do poder público da época. O Dia Nacional da Consciência Negra e entrou no calendário escolar nacional através da Lei 10.639/2003 2003 a partir da Lei Nº 14.759/23 se tornou feriado nacional. Marca a resistência do povo negro por uma sociedade mais plural e diversa e a contínua batalha contra o racismo e as desigualdades.

 

4. Como foi o processo da sua aposentadoria? O que mudou na sua rotina e como você escolheu ocupar o tempo livre?

Alexandre Cândido: Mudou tudo! rs foi uma mudança sensível e muito assustadora. A vida inteira dedicada a rotina do trabalho, e próximo a aposentadoria descobri que não tinha grandes caprichos ou vontade própria. A   minha vida era movida pela lei natural do sistema, bancário do Banco do Brasil, fiquei até o último instante para definir a minha saída, tentando adiar o fim.

No primeiro momento, me senti pleno e pronto para a nova jornada e pensava, mas somos fruto das nossas escolhas e, é preciso combinar com o destino. No começo, pensei em ser corredor e viajar o mundo atras das maratonas, mas logo no começo após um exame cardiológico, a minha saúde me impediu. Fui diagnosticado com uma cardiomiopatia hipertrófica que naquele momento me impediu de praticar esporte... Não me desanimei. O médico me autorizou a fazer caminhadas. Era o que eu fazia; Caminhava horas e quilômetros diariamente.

Neste período comecei a cursar Bacharelado em Filosofia, o início foi complicado q dinâmica de estudar filosofia era totalmente diferente dos processos normativos do BB. No ‘começo foi bem desafiador, mas após o primeiro semestre as coisas deslancharam. Me formei em Bacharelado em Filosofia.

Após o Bacharelado comecei a especialização em História da África e ao final do curso uma nova intercorrência médica fui diagnosticada com um tumor no intestino, tive que parar o curso e as atividades físicas. No final de 2023, fiz quimioterapia em até setembro 2024. Voltei para a Especialização no mesmo mês e no final de 2024 estava diplomado.

 

5. Sabemos que você se especializou no curso de filosofia já aposentado, o que te motivou a buscar essa formação? Como essa experiência impactou sua vida pessoal e sua forma de enxergar o mundo?

Alexandre Cândido:  Eu sempre gostei de filosofia. Durante a minha trajetória no Banco do Brasil este projeto foi adiado, direcionei a minha formação acadêmica para a minha carreira e aos objetivos profissionais não foi fácil. O tempo era outro, mas o racismo que atinge toda sociedade e outros motivos tornaram a minha vida profissional cheia de acidentes e retomadas. Mas cheguei onde deu para chegar. Esta experiencia e a minha atual ocupação me levaram a perceber o mundo a partir de outras perspectivas onde pude de me livrar de velhos vícios mentais.

Estar aposentado  possibilitou me a perceber com mais tranquilidade, as coisas que me afetavam ao longo da minha vida e perceber a complexidade  da sociedade brasileira no que tange ao racismo ,    e em especial respeitar e entender a diversidade das pessoas, e entender que nós não existimos sem o olhar do outro, “Eu sou porque nós somos, essa  consciência me trouxe  saúde (social, emocional e mental) pois me ajudou a compreender que alguns problemas não eram meus, mas sim dessa estrutura herdada do período colonial que ainda nos rodeia.

 

6. Como a AFABB-SP pode se tornar uma entidade mais diversa e inclusiva?

Alexandre Cândido: A AFABB-SP é uma entidade de Aposentados, que nasceu da comunidade, da solidariedade  dos funcionários aposentados da Agência Centro de São Paulo e se não estou enganado essa é a essência de Ubuntufilosofia africana e a natureza humana implica compaixão, partilha, respeito, empatia  e neste ponto a AFABB-SP tem  um papel fundamental na relação com os seus associados , promovendo, auxiliando nas questões jurídicas e relacionamento com as Entidades do BB (Cassi, Previ),   mas acima de tudo proporcionando eventos socias. Esta são ações   de valorização de pessoas da terceira idade são demonstrações claras de   combate ao etarismo.

Para se tornar uma sociedade mais inclusiva na minha opinião, a AFABB precisa viver o seu tempo, ter um “olhar no hoje", e neste contexto   saber quais batalhas abraçar e estar sempre antenada com as melhores práticas de diversidade e inclusão social.

 

7. Que tipo de iniciativas você gostaria de ver sendo implementadas aqui? Pode ser em eventos, comunicação, representatividade etc.

Alexandre Cândido: Acredito que a Entidade pode trazer a diversidade do mundo para dentro da Entidade, em um passado recente que eu estava mais ativo e junto com o atual Presidente Rubens, foram realizadas diversas palestras em especial de filosofia e saúde.

Além destes eventos internos, a AFABB-SP deve se relacionar com a sociedade no que torna a diversidade. Participar de palestras e visitas culturais etc, que estejam alinhados com causas LGBTQIA+, racial, social e etarismo. Claro que isso é muito difícil, mas tudo começa o primeiro passo. Devemos nos relacionar pessoas com práticas positivas para divulgar e aprender com suas experiências.

 

8. Que mensagem você gostaria de deixar aos colegas da AFABB-SP neste mês da Consciência Negra?

 Alexandre Cândido: Gostaria de agradecer à AFABB-SP, à Diretoria, e as todas as funcionárias da AFABB-SP.

A minha mensagem, que é o mais importante, como dizia Angela Davis é: "Não basta você não ser racista, você tem que ser antirracista”. E para isso, a gente tem que ter letramento racial.

Se quiserem aprofundar no assunto, convido a me seguir no Instagram, onde posto conteúdos relacionados desde 2015: @lexcândid

 

 

 

Se você tem alguma história, experiência ou vivência que gostaria de compartilhar com a AFABB-SP, entre em contato conosco. Será um prazer dar voz à sua trajetória!

Veja também: Dia Internacional do Idoso: Celebramos mais do que o passar dos anos, exaltamos histórias de vida que inspiram, trajetórias marcadas pela experiência e pela superação. Veja mais